sexta-feira, fevereiro 13, 2004

Epopeia do Centro de Saúde

Hoje decidi falar-vos sobre os comportamentos sociais do utente do centro de saúde, numa prespectiva de documentário da National Geographic (Atenção...ler estas linhas com sotaque brasileiro).
O utente do centro de saúde é um ser muito peculiar. Todos os dias, este ser, cuja idade varia entre os 65 e 80 anos, se levanta da cama, se lava com perfume barato e sai de casa, pronto para mais uma odisséia. Pega depois o ônibus que o conduzirá ao local da sua actuação, o centro de saúde, ao qual chega sempre por volta das 6 ou 7 da manhã (sabendo que este só abre às 9). Com o passar das 8, já a fila dá a volta ao quateirão, formando-se, a partir de então uma voz de protesto ( parecida com as dos torcedores quando vêem seu time perder).
Ás 8.30 temos já uma multidão artrítica enraivecida, erguedo seus andarilhos e outros suportes de equilíbrio em sinal de protesto por, como estava já previsto, o centro não estar aberto. Quando esse finalmente abre, dá-se um tsunami em câmara-lenta, com uma onda de cidadãos idosos a invadirem o piso frio do centro. É nesta altura, enquanto estão na fila, que o UCS começa a pensar numa desculpa para a sua ida ao centro, sendo as mais comuns a dôr de cabeça, de estômago, coração ou dos músculos (sempre alarmantes em alguém cuja metade do corpo já não é irrigada por sangue). Depois de 2 horas à espera, durante as quais dialoga insistentemente como o seu vizinho de sofrimento sobre assuntos da maior importância ("A senhora viu ontem o programa do Gocha? Eu gostei muito" ou mesmo "A Sofia Alves faz um grande papel na novela da noite") ou põe em dia o seu tricot, estas chegam finalmente ao seu objectivo, ao seu graal, o consultório.
Segue-se então o bate-papo com o médico, com a pergunta sobre a mulher e filhos, logo seguida das pretensas queixas. Depois dos exames, o médico preenche um comprovativo de presença, do qual estes seres se orgulham, e no qual pegam para dar na fármacia, onde o trocam por comprimidos cujo nome tem 30 consoantes, mas que não passa de farinha dura. Os efeitos são miraculosos, estes seres irradiam com os comprimidos, comentando uns com os outros "Aí olha...o Dr. Albuquerque deu-me uns comprimidos para nervos e são óptimos, já não sinto dores nenhumas".
Mas, com o nascer de cada dia entediante, novamente estes seres saem para a caça, buscando furtivamente seus alvos e locais de emboscada. Se tomarem atenção e se tiverem sorte, até vocês os conseguiram observar num centro de saúde aí perto.