quarta-feira, novembro 17, 2004

A Bola no Café

Há já algum tempo que vinha congeminando esta fantástica teoria que de seguida vos apresento. Convém salientar que isto não é uma qualquer ideia que “sai da boca para fora”; pelo contrário, baseei-me num estudo que eu próprio efectuei, presenciando os factos “ao vivo e a cores”...
É ponto assente que nos cafés assiste-se às mais caricatas cenas de uma vida em sociedade. Pois venho falar-vos de um tema muito em voga nos cafés onde não se paga mais de .50€ pelo dito (Naturalmente que numa Versalhes, a probabilidade, se existir de todo, de se ouvirem conversas destas é muito reduzida...): o futebol.
Durante sensivelmente duas semanas, o tempo que estive em frequências, vi-me obrigado a antecipar o café da manhã para as oito da matina. (“Oh, mas se não tomavas o café da manhã a essa hora, que é mesmo de manhã, quando é que o fazias?” pergunta o/a leitor(a). Meus amigos, oito da manhã não é de manhã. É de noite. Café da manhã antes do meio-dia, não é café da manhã, é martírio.) Pois bem, caso não saibam, é por esta hora que o tuga médio/baixo bebe o seu café antes de se ir queixar para o trabalho porque trabalha muito e recebe pouco. Ora que outro tema de conversa pode surgir entre o cliente e o empregado de balcão, senão a bola?
Surpreendentemente, apesar da controvérsia que sempre acompanha o desporto, cliente e empregado parecem sempre chegar a um entendimento. Logo quando o que se queria era pancadaria com colheres, chávenas e pacotes de açúcar a voar...
No entanto, o processo pelo qual se chega ao referido entendimento varia. Ei-los:
1 – Entendimento por concordância. Este é o mais raro, uma vez que é incrivelmente difícil encontrar um cliente e um empregado adeptos do mesmo clube. Apesar de tudo, verifica-se. Partilhando da mesma felicidade ou abatimento, os dois falam sempre no mesmo sentido, acabando por ficar grandes amigos de ocasião.
2 – Entendimento por simpatia. Este desenvolve-se habitualmente no sentido empregado – cliente. Dado que uma conversa sobre futebol desponta sempre que um dos intervenientes refere uma qualquer injustiça ou lance duvidoso, quando tal acontece, o outro, apesar de secretamente dar urros e gritos de alegria pelo sucedido, expressa a sua simpatia para com o primeiro, referindo que “para a próxima corre melhor” ou que “de facto, eu próprio não tenho bem a certeza” (simultaneamente batendo três vezes num qualquer objecto de madeira à mão....)
3 – Entendimento por desconversa. Pessoalmente, o meu favorito. Tive oportunidade de presenciar umas quantas situações deste calibre e confirmo que servem de combústivel para uns bons minutos de gargalhadas... Exemplicando: cliente entra no café, inevitavelmente com um jornal desportivo debaixo do braço, e, depois de servido o “levanta a pestana”, lança a bomba: “Então e este Sporting hein? Bela poia que este Peseiro me saíu... “ Ao que o empregado riposta: “Não me diga nada! Às vezes fico doido com as substituições do Trappatoni...” “Vá lá que com o Boavista agora deu para encher o papo... para compensar as exibições de tanga que se devem seguir...” “Sim, do mal o menos.. não estamos em primeiro, estamos em segundo... Que é que se pode fazer?” E assim continua o diálogo, cada um falando do que lhe apetece, chegando curiosamente a um qualquer entendimento final, indo cada um para seu lado feliz por encontrar alguém que entenda as suas preocupações futebolísticas.
A título de conclusão, têmos que esta teoria só se verifica para o Benfica e o Sporting. Se por acaso um dos intervenientes tem a infeliz ideia de, em Lisboa, falar do Porto, aí não há entendimento possível, seguindo-se um chavascal de palavrões e insultos trocados...
Enfim, é o futebol. Move multidões, põe-nas à pancada, incita à leitura (veja-se a saída de jornais como A Bola, O Jogo ou o Record), promove comes e bebes tradicionais como a “mine” e a “sande de coirato”, dá dinheiro a toda a gente (até aos árbitros) e, mais que tudo, serve de conversa de café....